domingo, 21 de agosto de 2016

O luto à serra

Na quarta feira 10 de Agosto, ao final da tarde, depois de confirmar com o CODIS que a estrada estava aberta, terminado o trabalho, foi fazer o meu luto a Arouca...

Fiz a viagem sozinho, lá em casa estavam todos de férias, mas não podia deixar de ir ver o que restara do incêndio do dia ou da ultima noite...
Foi o meu velório à serra, a tudo o que ali se perdeu e às minhas colmeias... Na viagem imaginava que nem tudo teria ardido, nem os campos nem as margens do rio, nem todas as colmeias, como que acreditando que o milagre era possível... para acalmar a minha ansiedade.


Foi um viagem ao inferno. Três grandes fontes de fumo abraçavam os céus de Arouca, alimentadas por diferentes frentes de incêndio com dezenas de kms, aqui e ali com as chamas a lamber as casas de alguns povoados.



Quando cheguei a Ponte de Telhe, já o incêndio abraçava a povoação e ameaçava as casas que os bombeiros a todo o custo se esforçavam por defender. Parei junto à ponte onde me cruzei com dois carros de bombeiros a abastecer e um grupo de populares conferenciavam com os bombeiros exaustos, (eram de Estremoz e alto Alentejo). Do grupo, irrompeu uma mulher que se assomou à janela do meu carro quase parado e disse: as suas abelhas foram todas, ficou tudo queimado, reforçou...


Estava comunicada a desgraça, feita a confirmação da notícia, partilhada a perda!
Todos ali tínhamos perdido alguma coisa ou quase tudo...


Perguntei-lhe se a estrada estava livre e se poderia lá ir, disse não saber e perdia na sua aflição com que atropelava os bombeiros num interrogatório sem fim...



A ponte é o ponto mais baixo do povoado... por todo o lado eram caminhos de fogo e chamas que subiam ou desciam o monte... subi um pouco mais, convicto de que alcançaria o Carvoeiro, parei para observar o que já ardera e o que estava a arder e avaliar o perigo em segurança. De olhar em Ponte de Telhe, na encosta de nascente o esforço centrava-se em salvar as casas, entre projeções de fogo monte abaixo... Ouviam-se gritos a cada acendimento, movendo os esforços e os meios de combate.



Prossegui até ao apiário, rodeado de chamas que ameaçavam o carro.  Chegado lá acima, confirmei, a quinta estava quase toda queimada, escapara a horta e o casario, ardera menos que há onze anos, da vez em que nem as casas escaparam.  Pelos poucos pontos de chama visível e quase ausência de fumo conclui que já ardera na noite anterior, podia ir lá abaixo sem riscos, o chão já estava morno...



Desci onde ainda ninguém depois do incêndio lá tinha descido. Era o primeiro a pisar a cinza fofa.
Os caminhos e o estradão onde estavam as colmeias, eram agora um percurso de cor bege, aparentemente sem pedras, quase branco, demarcando o negro da floresta. No poiso, mantendo o alinhamento sobraram as tampas que ainda  fumegavam. Tirei fotos e gravei um filme à medida que fazia o estradão. Parei!...
Resistira uma colmeia com duas alças, donde saíam e entravam abelhas em operações de limpeza.
Toda ela era um carvão! Era o milagre!...Não quis acreditar.


Apressei-me a apanhar as tampas e chapinhas que restaram, algumas ainda escaldavam! Fechei a colmeia, agarrei-me a ela com os dentes serrados e... já está, tudo dentro da carrinha. Fugi, já noite daquele buraco de cinza escura rodeado de fogo por todos os lados, com uma imensa tristeza.
Fez-se o luto!


1 comentário:

Rita Teles disse...

Os meus sentimentos pela perda e a minha sincera alegria pelo milagre! A sua escrita é lindíssima, tomara que todos contássemos as nossas histórias, aventuras e desventuras de forma tao cativante.